segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Governo Dilma investe só 22% do previsto em saneamento

ÁGUAS LINDAS (GO) e Brasília — Tristes ironias cercam Ercival Pereira de
Almeida. Ao se aposentar, resolveu deixar Brasília e morar com a família em um
local bucólico. Escolheu terreno no topo de um morro, onde constrói desde 1998
um sobrado. Um buraco cavado à enxada, no jardim, deixa antever a esperança de
construir uma piscina. O fundo da casa dá para um lago artificial, criado por
barragem que formou um reservatório de água. Mas para Almeida realizar seu
sonho falta o fornecimento seguro e contínuo de água e esgoto, o que, aliás,
ocorre só em metade dos domicílios brasileiros.

A maior ironia é que a cidade que Almeida escolheu para viver se chama Águas
Lindas, em Goiás, na divisa com o Distrito Federal, onde está localizado o
Lago Descoberto, que abastece 70% de Brasília, mas não deixa nem uma gota no
município goiano.

Desde 2007, há expectativa da chegada de R$ 60 milhões do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) para saneamento na cidade, além de outros
milhões de um acordo entre Brasília e Goiás para instalar a rede em 31 anos, a
partir de 2003. Até hoje, porém, o sistema de abastecimento de água na casa de
Almeida é o mesmo de quatro anos atrás. A fossa séptica ele mesmo que
construiu.

— A água que temos aqui é de poço artesiano e chega para nós de uma forma
precária — lamenta Almeida.
Já quase na metade do mandato, a presidente Dilma Rousseff aplicou menos de um
quarto do orçamento previsto para saneamento básico. Entre 2011 e 2012 (até a
primeira quinzena deste mês), de R$ 16,094 bilhões disponíveis — somados FGTS
e orçamento da União — foram desembolsados R$ 3,549 bilhões, ou 22% do
programado. Para especialistas, no ritmo atual, o país não alcançará a meta de
universalização do serviço até 2030 (com fornecimento público de 100% de água
e 88% de esgoto).

Repetir modelo da habitação

Segundo eles, o quadro só vai mudar se o governo abraçar a causa, como fez na
habitação, ao criar o Minha Casa Minha Vida com forte subsídio e com foco
principal na baixa renda.

Pelos cálculos incluídos no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), que
esteve em consulta pública até setembro, seriam necessários R$ 15 bilhões por
ano para atingir a meta. Em 2011, foram investidos apenas R$ 8 bilhões,
somados recursos públicos e privados, de acordo com cálculos do setor e neste
ano o valor deverá ser ainda menor.

A eficácia do Plansab dependerá, em parte, dos resultados das urnas neste ano,
por causa da responsabilidade dos municípios em oferecer acesso a água,
esgoto, drenagem e recolhimento de resíduos sólidos.
Mesmo quando contratados, muitos projetos não deslancham por falhas de
concepção e resultam em bloqueios das obras. Segundo o Ministério das Cidades,
dos R$ 40 bilhões previstos para saneamento no PAC 1, que vigorou de 2007 a
2010, 57% foram efetivamente executados até setembro deste ano. Pelo PAC 2,
dos R$ 17,4 bilhões, 5% foram realizadas.

Ministério: não há atraso

O ministério avalia que o andamento está dentro do cronograma e não considera
baixo o ritmo de execuções.

— Pelos números do próprio governo, os investimentos não atingem a
universalização — disse o presidente da Associação das Empresas Estaduais de
Saneamento Básico (Aesbe), José Carlos Barbosa.
De acordo com levantamento da Caixa Econômica Federal, dos R$ 9,648 reservados
pelo FGTS para saneamento em 2011 e 2012, apenas R$ 2,560 bilhões foram pagos.
Segundo levantamento da Consultoria de Orçamento do Congresso, dos R$ 6,446
bilhões autorizados para obras de tratamento de água e esgoto no período, só
R$ 989 milhões foram desembolsados e, ainda assim, utilizando-se restos a
pagar de anos anteriores.

— Os recursos não têm sido suficientes para aumentar, de forma significativa,
a cobertura — reforçou o especialista em saneamento do Banco Mundial, Thadeu
Abicalil.

As desculpas para a falta de investimentos no setor são as mesmas de décadas
atrás: faltam bons projetos, concessionárias estão quebradas e estados e
municípios não têm capacidade de tomar empréstimos. Além disso, há morosidade
nas licitações. O Ministério das Cidades repassa recursos e oferece apoio, mas
os projetos dependem das empresas, estados e municípios.

— Falta uma política de recuperação das empresas municipais país afora. A
maioria tem uso político e são deficitárias — disse a consultora da Câmara
Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) Maria Henriqueta Arantes.
Enquanto queimava o lixo que nunca foi recolhido de sua casa em Águas Lindas,
o pintor Bruno Inácio dos Santos via, ao longe, um asfalto novinho sendo
instalado:

— Aqui a pavimentação veio antes.

Ali perto, sua vizinha Laiane Pires da Silva lembra que há algumas semanas
equipes do governo deixaram “toquinhos” de madeira no chão, indicando que
poderiam fazer o saneamento.

— Depois das eleições não vimos mais ninguém aqui na rua — disse ela.

*Enviado especial a Águas Lindas

Fonte: Agencia O Globo

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