terça-feira, 14 de setembro de 2010

Relatório do IBGE diz que 0,6% das cidades brasileiras não contam com água encanada

A impressão do engenheiro agrônomo Gustavo Uriartt é de que sua cidade, Araricá (RS), não entrou no século 21. O prefeito de Buritis (RO), Elson de Souza Montes, tem uma sensação ainda pior: `Parece que estamos vivendo na Idade da Pedra`. Araricá, Buritis e mais 31 cidades brasileiras são integralmente desprovidas de redes de abastecimento de água, como mostrou a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) de 2008, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no mês passado. A divulgação de que apenas 33 municípios - 0,6% das cidades brasileiras - não contam com água encanada esconde uma realidade bem mais grave.

Como a própria PNSB constatou, 827 municípios têm bairros desprovidos de fornecimento de água. Isso significa que, a cada 100 cidades brasileiras, 15 ainda dependem de caminhões-pipas, poços artesianos e formas primitivas de captação de água.

Para um município ser incluído na lista dos que contam com redes gerais de abastecimento, pelos critérios adotados pelo IBGE, basta que pelo menos um bairro seja beneficiado pelo serviço. Por esse critério, a pesquisa de saneamento básico identificou 33 cidades sem nenhuma tubulação de água tratada. A realidade exata, porém, não é essa. Os moradores de mais 794 municípios sofrem com a falta de água encanada em pelo menos um bairro. São 12 milhões de casas sem acesso a redes de abastecimento, 21,4% das residências no Brasil - na Região Norte, o índice chega a 55%.No Nordeste, três em cada 10 cidades fazem uso da perfuração de poços e de caminhões-pipa para saciar a sede da população. No Piauí, são seis em cada 10.

No Entorno do Distrito Federal, em Santo Antônio do Descoberto (GO), os moradores de nove bairros não sabem o que é receber água tratada nas torneiras. Um parecer técnico do Ministério Público de Goiás, concluído em maio, atestou que 25% da população não têm acesso ao serviço. Os Parques 13, 14, 15, 16 e 17, na periferia da cidade, dependem de poços artesianos e de caminhões-pipa.

No Parque 17, moram a dona de casa Denise Gonçalves, 21 anos, o jardineiro Francivaldo Moraes, 25, e o filho do casal, Daniel, 1 ano. Uma bomba elétrica retira água do poço cavado na frente de casa, que seca nos meses mais quentes. A água utilizada na cozinha e no banheiro escorre para o quintal ou para uma fossa improvisada. Denise não tem filtro em casa. `Tenho muito cuidado com a água do Daniel, mas ele adoece bastante`, conta, acrescentando que sempre ferve a água do filho.

Para os moradores do Parque Santo Antônio, a água do reservatório mantido pela associação do bairro chega dia sim, dia não. Caminhões-pipa abastecem as casas que não têm caixas d'água. O reservatório fica na Escola Municipal Vinicius de Moraes. Mais de mil alunos estão matriculados na instituição, que não recebe água tratada para o cozimento dos alimentos e para os estudantes beberem. `Não dá tempo de ferver. Mas a água vai direto para os bebedouros, que têm filtros`, afirma a coordenadora da escola, Bárbara Veillard, que também sofre com a falta de água em casa.

Desabastecimento
Apesar de crítica, a situação em Santo Antônio do Descoberto é melhor do que a verificada nas 33 cidades sem qualquer tipo de acesso a redes de abastecimento. Município gaúcho com maioria de descendentes de alemães, Araricá não tem uma única casa com água encanada. A prefeitura cavou quatro poços, de onde retira água para os mais de 5 mil moradores. `Muitas vezes, o lençol freático está bastante contaminado`, diz o engenheiro Gustavo Uriartt, 52 anos, funcionário da prefeitura e mestrando em Qualidade Ambiental.

Nas cidades sem qualquer rede de abastecimento, vivem cerca de 320 mil brasileiros. O município mais populoso é Buritis, a 300 quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia. Quase 34 mil pessoas moram no local, sem água encanada. `O projeto de captação se arrasta há 11 anos. Já foram iniciadas obras de reservatório, estação de tratamento, de captação, e tudo foi abandonado`, diz o prefeito de Buritis, Elson de Souza. Para o projeto de captação de água, R$ 3 milhões estão depositados na conta da prefeitura. Faltam R$ 2 milhões para a execução da iniciativa. Quando falta água até mesmo nos caminhões-pipa, moradores recorrem aos riachos mais próximos.

Racionamento forçado

Oferecer água tratada à população não é garantia de qualidade do serviço ou de eliminação de doenças associadas ao consumo do insumo. Quase 70% das cidades brasileiras não têm regulação dos serviços de saneamento básico, mais da metade é desprovida de leis para a exploração da água em novos loteamentos e menos de um terço tem legislação para a proteção dos mananciais.

A consequência, muitas vezes, é o racionamento. Na Região Nordeste, por exemplo, quatro em cada 10 cidades precisam limitar o fornecimento. O problema é ainda mais grave por causa da poluição de mananciais por esgoto. A PNSB mostrou que 45% dos municípios brasileiros não têm rede geral de coleta de esgoto.

O atendimento parcial em boa parte das cidades brasileiras, com bairros inteiros sem água tratada, deve-se à paralisação de investimentos por 20 anos seguidos, até 2007, segundo Raul Pinho, conselheiro do Instituto Trata, que acompanha a execução das obras de saneamento básico no país. `Uma obra de saneamento não é a mesma coisa que construir uma casa, por exemplo. Começa com a definição de políticas públicas pelo governo federal passa pela disponibilidade do recurso até a execução pelas prefeituras na ponta do processo.`

Fonte: Correio Brasiliense

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