Por Luiz Inácio Lula da Silva*, Presidente da República
Em Setembro de 2007, quando encaminhei à Câmara dos Deputados o anteprojeto da Política Nacional de Resíduos Sólidos, pouca gente, mesmo no nosso meio, acreditava que ele seria aprovado. Isso porque um texto sobre o mesmo tema tramitava no Congresso Nacional há 20 anos, sem resultar numa Lei. Três anos depois, é com muito orgulho que participo desta cerimônia em que, finalmente, sancionamos a criação de uma política nacional para esta área, e que simboliza a vitória das entidades que atuam nas mais variadas etapas das cadeias produtivas, na prestação de serviços e na sociedade civil. A adoção de uma Lei nacional para disciplinar o manejo adequado dos resíduos sólidos é uma revolução em termos ambientais. Ela organiza uma série de instrumentos que estavam dispersos sem, no entanto, perder de foco a principal questão, que é a questão social.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos trata da preservação ambiental e da proteção da saúde pública. Seu maior mérito, contudo, é a inclusão social de trabalhadores e trabalhadoras humildes que, durante muitos anos, foram esquecidos e maltratados pelo poder público brasileiro. Nesse sentido, ela está de acordo com a missão que nosso Governo assumiu de fazer o Brasil crescer para todos, reduzindo as desigualdades sociais e preservando o meio ambiente. Esta Lei beneficiará milhares de homens e mulheres em todo o País.
A geração de resíduos sólidos, nos dias de hoje, é um fato inevitável. Mas podemos evitar as suas consequências desastrosas. Da mesma forma, podemos evitar a repetição do descaso que condenou famílias inteiras a uma existência subumana nos lixões das grandes cidades. E essa questão não é responsabilidade exclusiva dos governos. Todos que produzem e consomem bens geradores de resíduos sólidos precisam estar, a cada dia, mais conscientes de seu papel na defesa de nosso meio ambiente e dos direitos dos milhares de cidadãos que trabalham na cadeia da reciclagem. Quero, portanto, expressar o meu reconhecimento a todos àqueles que trabalharam duro para que essa Lei fosse aprovada, e que possibilitaram ao Brasil dar um salto extraordinário em sua regulamentação social e ambiental.
Estou certo de que esse Projeto só se tornou realidade graças à ampla participação de todos os setores sociais envolvidos com o tema e à sensibilidade social de nossos parlamentares, que tanto contribuíram para o debate e o aprimoramento dessa Lei. Vejam, companheiros e companheiras, como é que as coisas acontecem no nosso país: você tinha um Projeto de Lei que tramitava no Congresso Nacional havia 20 anos e esse processo não conseguia andar dentro do Congresso Nacional. Nós mandamos um processo e, em três anos, esse Projeto conseguiu andar. Qual é a diferença concreta? A diferença concreta é que, possivelmente, você tinha um projeto de um único deputado, que não tinha feito articulação com os partidos políticos, que não tinha feito articulação com os outros deputados e, portanto, ficava como se fosse uma coisa dele na gaveta, não era nem tirado para ser votado na Comissão.
Na medida em que o Governo manda um Projeto, articula os líderes dentro do Congresso Nacional, tem um Ministro para cuidar especificamente disso, ainda com o apoio da Ministra do Meio Ambiente. Vocês, nesses últimos anos, se organizaram muito. Se a gente for analisar a organização de vocês há 15 anos, há 10 anos e agora, vocês estão quase que mais fortes que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC nos anos 70, quando eu comecei a minha vida sindical. Pois bem, eu queria pedir para vocês e para a nossa querida Ministra Izabella Teixeira, que nós precisamos tomar cuidado para não demorar em regulamentá-la. Porque quando aprovamos a Lei da questão habitacional, nós ficamos praticamente dois anos esperando. Saneamento, nós aprovamos a Lei e ficamos dois anos sem regulamentá-la. Fiquei sabendo que ainda não tinha sido regulamentada quando fui a um congresso de arquitetos e engenheiros em Uberaba, Minas Gerais. Lá o Presidente da entidade fez a queixa de que havia dois anos que a Lei tinha sido aprovada e que ainda não tinha sido regulamentada; ora, para que diabos a gente faz uma Lei, se não precisa regulamentá-la?
Nós não podemos passar mais de 90 dias para regulamentar uma Lei. Então, agora, é preciso juntar todos os Ministros envolvidos na regulamentação, todos, sem distinção, e ver quem é que vai criar problemas, porque também nós criamos problemas no nosso meio: há ministros que não concordam com alguma coisa. E, dessa vez, eu vou falar: não tem que ficar esperando um Ministro concordar. Na hora em que constituir a base do Projeto, o levam para a minha mesa, para regulamentá-lo.
Então, queria dizer do orgulho que sinto porque conheço, senão pessoalmente, todos os companheiros; eu convivo com eles, nesses oito anos de presidente; todo ano tenho encontrado eles mais de uma vez. Sei dos avanços que esses companheiros estão tendo, sei dos seus avanços. É por isso que, outro dia, numa entrevista, eu chorei quando me lembrei do financiamento feito pelo BNDES aos catadores, às cooperativas; eu fiquei entusiasmado com aquele carrinho que Itaipu fez, não sei se está funcionando, mas o dado concreto é que ninguém que passa de carro nas ruas deste país pode olhar para um catador e se sentir melhor do que um catador; porque na verdade o catador só existe porque aquele que pensa que é chique não aprendeu ainda a cuidar do lixo que ele próprio produz, seja na sua casa, seja na sua cidade, ou seja, no seu local de trabalho.
É um processo de evolução democrática, é um processo de evolução educativa, e eu penso que nós vamos caminhando rapidamente. Estou convencido de que não tem mais volta. Eu já não estarei mais na Presidência na próxima Marcha dos Prefeitos, mas acho que os prefeitos precisam continuar apresentando ao Governo Federal uma pauta de reivindicações a cada ano, e a gente atende muitas coisas para o ano seguinte. Os catadores precisam aprender a vir às Marchas dos Prefeitos e fazerem pauta de reivindicação para que os prefeitos, nas mais diferentes cidades, tratem vocês como cidadãos e cidadãs de primeira categoria, e não como cidadãos ou cidadãs de segunda categoria. E eu penso que assim nós vamos evoluindo, vamos evoluindo...
Acho que os catadores são um exemplo da evolução que aconteceu neste país. Eu, sinceramente, sinto motivo de orgulho. Um dia desses encontrei com um, todo afoito, com uma bandeira enrolada: “eu vou ser candidato, Presidente”. A mim não importa que o companheiro seja candidato e que não se eleja. A mim não importa. Só o fato de alguém que estava predestinado a ser tratado a vida inteira como se fosse a ralé da sociedade, de ser olhado de forma vesga, de ser tratado como se fosse um pária, só alguém descobrir: “eu quero ser candidato”, eu já acho uma revolução extraordinária na cabeça dele, porque ele já não se sente inferior a ninguém; ele já está dizendo: “eu posso”. E quando um ser humano descobre “eu posso”, sai da frente, porque ele vai ser um grande vencedor.
Fonte: Revista Eco
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