Bem antes de a Rio+20
ser assunto Brasil afora, Aspásia Camargo estava mergulhada nos
documentos e discussões que trouxeram chefes de estado ao Rio de Janeiro
em junho. A intimidade com as questões ambientais e a sustentabilidade
vem de bem antes: ela negociou a Agenda 21 e teve participação marcante
na Rio 92, quando o ambientalismo e os ‘verdes’ passaram a ganhar espaço
na política. A conferência deste ano foi um dos motivos para que o PV
não abrisse mão de lançar candidato à prefeitura do Rio. O eleitorado
carioca foi generoso com o partido nas duas últimas eleições, garantindo
votações expressivas para Marina Silva, que teve na cidade mais de 30%
dos votos para presidente em 2010, e Fernando Gabeira, que perdeu para o
PMDB de Eduardo Paes por uma diferença de 50 mil votos em 2008.
Um dos problemas da deputada estadual está exatamente aí: Marina e
Gabeira não estão – ou ainda não estão – ativamente na campanha. Aspásia
diz não se importar, e lembra de sua luta pela sustentabilidade como
algo maior que os apoios locais. Ao mesmo tempo em que “pensa grande”,
gosta de manter os pés no chão, cobrando que, entre os legados da
Olimpíada de 2016 estejam, também, algo bem mais simples que obras
viárias e arenas esportivas: água e esgoto para a população mais pobre.
Em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio, Aspásia falou ao site
de VEJA.
Fernando Gabeira e Marina Silva obtiveram votações expressivas
no Rio em 2008 e 2010. Por que eles não estão participando ativamente da
campanha?
Minha campanha vai ter Gabeira. A questão é que ele hoje está em uma de
TV, fazendo um programa de comentários diários, e isso dificulta a
participação mais ativa. Gabeira me ajudou o tempo todo, foi à minha
convenção. Eu não preciso de muletas. Ele me apoiará no momento certo.
Por que o constrangeria agora? Não é pretensão, nem galhardia, mas,
sinceramente, tive tudo nesse mundo. Você vê as pessoas com quem eu
ando? Hilary Clinton, Angela Merkel, com quem estive para cima e para
baixo em grandes seminários internacionais. John Gummer está esperando
terminar a eleição para vir conversar comigo. O Itamaraty disse que eu
fui a mulher que fez a melhor agenda 21 do mundo. Eu salvei o Ipea. O
Fernando Henrique me homenageou porque eu lancei a política do etanol.
Não vou ficar atrás de Marina e Gabeira.
Mas a Marina conseguiu 31% dos votos em 2010. Não é um apoio necessário para alavancar o seu nome e sair do 1%?
A Marina me adora. Ela está com medo de me apoiar e acabar por dar
força para o Partido Verde que a tratou mal. O PV sabe que eu apoiei
Marina até o fim, que eu tenho relações especiais com ela. O partido
também sabe que eu vou lutar para que a Marina volte. Eu era conselheira
dela nas eleições passadas. Ela só ouvia a mim porque era a única que
não ia para a mídia usá-la. Marina me chamava às 7h da manhã e eu ia
sentar na cama dela para ouvi-la. Já dormi várias vezes na casa dela.
Antes de o nome da senhora ser lançado à prefeitura pelo PV, o
partido chegou cogitar o apoio a candidatos menos conhecidos pela luta
da sustentabilidade, como Marcelo Freixo, do PSOL, e Andrea Gouveia
Vieira, do PSDB. Como foi a escolha pela senhora?
Eu propus a minha candidatura porque íamos entregar o partido a
candidatos que não têm absolutamente nada a ver com a bandeira, o
ideário, a prática e as ações do PV. Achei aquilo chocante. A Andrea
nunca teve a ver com o PV, não se interessava por esses assuntos. O
Freixo também não. Não cabia abrir mão do nosso patrimônio em um momento
como esse, da Rio+20. Em termos de sustentabilidade, sou eu a maior
especialista entre os candidatos. Como vou entregar tudo isso para
outro?
Marcelo Freixo, do PSOL, foi o assunto da eleição há duas
semanas, propondo mudanças nos repasses para as escolas de samba. A
senhora criticou duramente esse projeto. Como é a relação de vocês hoje?
Ele é um radical comunista, estalinista. Está disfarçado de ator de
semana. Diz lá: “fui personagem de um filme (‘Tropa de Elite’)”. Eu
pergunto “Qual é o seu próximo filme?”. Ele tem méritos, mas eu morro de
medo. O tipo de posição dele, sobre o carnaval, por exemplo, foi o que
destruiu a cultura da União Soviética. Na década de 1920, a URSS era
vanguarda mundial. Stalin colocou todo mundo para correr para instalar o
realismo socialista. Freixo está querendo colocar na secretaria de
Cultura um estalinista de plantão para dizer qual escola de samba vai
receber dinheiro e qual não vai. Ele quer o conflito de classe para
criar conselhos populares e derrubar o capitalismo. Exacerbar esses
conflitos é muito terceiro mundista. Isso não existe mais em lugar
nenhum.
A cidade passa por transformações para os Jogos Olímpicos, que
devem trazer melhorias mas também com grande impacto ambiental. Qual sua
avaliação do projeto para 2016?
Houve um erro estratégico, apontado pelo Instituto dos Arquitetos do
Brasil (IAB), que é a dispersão. A glória das três olimpíadas que mais
deram certo - Sidney, Barcelona e Londres - foi a escolha de uma área
vulnerável, maltratada e abandonada. Nesse local, o poder público
concentrou os investimentos. No Rio de Janeiro, continuamos a olhar para
a Barra da Tijuca como a solução para a expansão da cidade. A área do
Porto, que é a menina dos olhos do prefeito, e que realmente merece a
revitalização, quase foi deixada de lado no projeto olímpico. Depois de
muita pressão do IAB, houve estruturas que se transferiram para lá, mas é
irrelevante.
Uma das questões a ser resolvida é o Velódromo, estrutura
construída para o Pan-Americano fora dos padrões olímpicos. Como a
senhora lidaria com esse impasse?
Outro problema das Olimpíadas no Rio são os órgãos
internacionais. Você vê gastos irracionais que não correspondem aos
resultados. Por exemplo, o mundo inteiro está afundado em uma recessão
terrível e há quem queira tirar o velódromo porque tem um milímetro a
mais ou a menos, ou porque esses órgãos não estão gostando. Que comitês
são esses? Estão desconectados da realidade. Eles alegam, pelo que
entendi, que a construção apresenta dificuldade para bater recordes
olímpicos. Custo a crer que um argumento desses sirva para derrubar ou
desmontar o velódromo. Ficamos sempre com essa coisa de fazer obra. No
término dos jogos Pan-Americanos, eu senti terrível dor e tristeza
quando vi que ninguém sabia o que fazer com o Engenhão. Não é possível.
Se eu fosse prefeita, eu saberia. Sou criativa. Não é possível que se
entregue um estádio desses para o Botafogo, ou qualquer outro clube
apenas. É um pecado mortal fazer obras sem uso, destino e planejamento.
Devia ser preso o administrador que faz esse tipo de coisa. É crime.
A senhora teme que a Olimpíada repita os problemas do Pan?
Quando Pequim foi escolhida a sede da Olimpíada, o governo decidiu duas
coisas. Primeiro, investir muito dinheiro na infraestrutura. Segundo,
investir para ganhar as Olimpíadas. Isso é o que um país com visão
estratégica faz. O Brasil não. A meta é ficar entre os dez primeiros
colocados no quadro de medalhas. Se já estivemos no 14º, como vou propor
o décimo sendo o anfitrião da festa? É muito modesto.
O que a senhora considera como um legado eficiente dos jogos?
Em matéria de legado, estou insistindo no saneamento. O que foi
oferecido até agora é a construção calamitosa de um filtro, uma unidade
de tratamento de rios para conter o esgoto gigantesco que vem de
Jacarepaguá sobre as lagoas da Barra da Tijuca. Filtro não é legado. A
solução é municipalizar e fazer uma concessão ou uma parceria
público-privada. Deveria ser estipulada a meta de universalizar o esgoto
até 2020. O saneamento seria um ótimo legado de 2016. Hoje só metade do
esgoto é tratada, e ainda assim temos dúvida sobre o número porque a
coleta é muito deficiente em várias áreas da cidade, como o centro,
cujos canos são muito precários. A rede está em pandarecos. Eu proponho
uma agência carioca de água e saneamento ambiental.
O próximo prefeito do Rio terá de lidar com situações de
emergência. O crack, por exemplo, é um grave problema. A internação
compulsória é um caminho?
Lamento estar em um país irresponsável, onde traficantes e empresários
de crack não são eliminados da convivência social. Tínhamos que ter
legislação extremamente severa, com prisão perpétua para essas pessoas.
Não me passa pela cabeça como uma sociedade convive pacificamente e
docilmente diante de uma barbárie como essa. Se eu fosse prefeita, ia
fazer valer os meus direitos para proteger as minhas crianças indefesas.
Eu ia fazer trabalho voluntário e cercar as cracolândias. Eu mesma
seria capaz de prender um indivíduo desses. Não acho que devemos usar
política sistemática de agressividade com objetivo de encarcerar uma
pessoa ou constrangê-la. Há serviços especializados, ONGs e igrejas
capazes de se aproximar de crianças como essas. Eu acho que o tratamento
tem que ser o menos compulsório possível. Não podemos deixar as
crianças na rua para morrer, mas não precisamos violentá-las. A minha
estratégia seria atraí-las para o tratamento. Há pessoas que sabem fazer
isso. Eu mesmo saberia, porque sou mulher.
Outra questão que precisa de uma resolução é a Cidade da Música, implantada na gestão de Cesar Maia e sem utilidade até hoje.
Eu tenho visão de grandeza para o Rio de Janeiro. Então, a Cidade da
Música, bonita e espetacular, não é uma ideia que me desagrade. Eu vejo
que esse prédio é uma das coisas belas que a cidade tem hoje, mas o
grande crime administrativo e político é construir uma coisa dessa
magnitude sem ter a menor ideia do que vai se fazer ali dentro. É sempre
o mesmo tema: a mania de fazer obra sem função. A minha sugestão é
fazer um projeto para se determinar o que vai ser feito na Cidade da
Música. E a partir daí uma licitação. O projeto tem que ter o componente
internacional. É preciso que o Rio seja uma das paradas do circuito
internacional de grandes espetáculos. Você não faz uma exposição de
Picasso com um só país pagando. Acho o Rio de Janeiro penosamente
carente de espaços. Fazem espetáculos na praia achando que é charme. Mas
não é. É pobreza mesmo. Estão destruindo as areias do Rio.
Apesar de não ser da alçada da prefeitura, qual é a sua posição quanto à descriminalização da maconha?
No momento não temos polícia para dizer que viveríamos em uma
sociedade segura com essas coisas. Acho que eu é um risco fazer qualquer
medida. Tenho netos, não gostaria de ver todas essas facilidades.
E em relação ao casamento gay?
O STF deu o ok. Eu, como socióloga, sempre me espanto de ver que os
gays hoje prezam mais a família e os rituais familiares do que os
heterossexuais. Isso me enche de ternura. Temos que ter cuidado em
jamais adotar atitudes hostis e agressivas contra a maioria
heterossexual que, muitas vezes, enxerga com reserva esse tipo de coisa.
Temos que ter uma convivência pacifica, sem criar anticorpos de
negatividade nem de um lado ou do outro.
Temos uma mulher na presidência. O Rio já teve uma governadora.
A senhora é a única mulher na disputa pela prefeitura. Como é hoje para
uma mulher fazer política?
As instituições políticas brasileiras, como pertencem ao século 19, são
fisiológicas, patriarcais, retrógradas e muito defasadas. Elas são um
tanto quanto impenetráveis às mulheres. É difícil entrar nesse mundo dos
homens. A forma de conduzir os partidos é movida pelo espírito de
chefia, pelo comando patriarcal. As mulheres têm que ser muito mais
competentes que os homens para chegar ao mesmo lugar. E elas às vezes
são tímidas para enfrentar as regras do processo eleitoral que são
extremamente selvagens.
Fonte: Veja
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