terça-feira, 15 de maio de 2012

Direito à água é garantido no texto-base da Rio+20.

Algumas semanas atrás, os grupos da sociedade civil envolvidos nas negociações da Rio+20 compartilharam sua grande preocupação com a ameaça de retirada do direito à água no processo de preparação da Conferência, assim como o avanço de mecanismos de mercado no terreno dos direitos sociais. Durante a sessão de março das negociações na ONU, tínhamos visto com surpresa e decepção um grupo de países liberais na ofensiva para remover qualquer referência aos direitos humanos, incluindo o direito à água no texto-base que será apresentado em junho aos chefes de Estado no Rio. Na ocasião diversas ONGs, especialistas em direitos humanos, sindicatos e movimentos sociais se mobilizaram para denunciar a ofensiva sobre os direitos e sobre princípios nascidos no próprio processo da Rio92.

Durante este mês de abril diversas redes e organizações da sociedade civil se mobilizaram para a penúltima sessão de negociações nesta última semana de abril, propondo reuniões e “side events” (sessões paralelas às discussões oficiais nas Nações Unidas) sobre os temas mais sensíveis a respeito dos “direitos em risco." Presentes para as sessões de negociações, essas organizações também mantiveram a pressão sobre os negociadores dos estados membros para obter alguns resultados, importantes como a vitória no capítulo relativo à água, aonde vimos o recuo da maioria dos países que se opunham ao direito à água no parágrafo nº 67, com exceção do Canadá que novamente solicitou a sua retirada.

Nesta sessão do dia 26 de abril onde foi negociado o capítulo da água, a Suíça foi o primeiro país a intervir, reforçando "a importância do direito à água como essencial no texto". Os Estados Unidos, União Europeia, Israel e Austrália, que na sessão passada haviam apoiado o Canadá, abstiveram-se desta vez na demanda de exclusão do direito à água no parágrafo 67, mesmo depois do Canadá intervir para pedir a sua remoção por completo do texto. A Noruega felizmente manteve sua posição e pediu a manutenção de todo o parágrafo, em oposição à posição do Canadá. Finalmente o negociador do G77 (grupo de 131 países no mundo que inicialmente tinham 77, daí o seu nome) fez então uma forte defesa do direito à água, pedindo a divisão do mesmo parágrafo em duas partes para conferir maior visibilidade à primeira parte do parágrafo relativo ao direito à água. Segundo o representante do G77, "O direito à água não pode ser colocado no mesmo patamar que as questões de gestão e de investimento".

As redes e instituições que trabalharam para que o direito à água fosse finalmente reconhecido na Assembleia geral da ONU em julho de 2010 apoiam a posição defendida pelo G77, pela Suíça e pela Noruega neste processo e não podem aceitar um retrocesso na Declaração final da Rio+20 em relação a este princípio.

No próximo mês de junho os chefes de estado de mais de cem países e milhares de representantes de organizações de todo o mundo estarão no Rio de Janeiro propondo alternativas para o desenvolvimento sustentável e fazendo escolhas fundamentais para nossa sociedade e para nosso planeta. O que estamos testemunhando nas negociações é que existem avanços e novos processos positivos sendo abertos em algumas áreas como energia, agricultura, oceanos, ou com a proposta de Proteção Social Universal, mas que por detrás das aparências da economia verde pode haver um histórico retrocesso no tocante a alguns direitos sociais e um claro avanço dos mercados financeiros em direção à mercantilização e à financeirização dos recursos naturais indispensáveis para a vida.

Sabemos que esta vitória pelo direito à água é certamente setorial e um passo ainda provisório, mas pode ser um exemplo para reinjetar energia da sociedade civil no processo da Rio+20 e nos dar força para influenciar sobre as escolhas a serem feitas nos próximos meses. Precisamos ainda ampliar e qualificar o debate sobre onde e quais estados seguem capturados por diferentes interesses econômicos nos diferentes temas e quais são as “linhas vermelhas” que acreditamos importantes demarcar em relação aos direitos humanos e aos chamados princípios do Rio, como o princípio de precaução; o princípio do poluidor pagador; o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, aprovados 1992 e que estão sendo ignorados ou sofrendo retrocessos no processo de negociação.

Para além de uma visão ainda superficial e genérica sobre a economia verde, de manifestações populares – a maioria das quais legítimas e importantes - contra os excessos do modelo liberal e contra determinados projetos de grande impacto socioambiental, vemos que infelizmente a sociedade de um modo geral ainda está bem desinformada e sem compreender o que é esta economia verde e que está em jogo na Rio+20.

O Comitê Facilitador da Sociedade Civil vem promovendo encontros, reuniões e atividades para promover a participação social no processo e esperamos que a Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental - a ser realizada no Aterro do Flamengo de 15 a 22 de junho - seja um espaço fundamental neste debate público. Como lemos cada semana na primeira página do jornal satírico francês Le canard Enchainé, “a liberdade de informação só se enfraquece quando não a usamos”.


Fonte: Assemae.

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